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Primeira entrevista do ex. Presidente Lula depois que foi preso

Leia  a entrevista concedida pelo ex-presidente Lula aos jornalistas Florestan Fernandes Júnior, do EL PAÍS, e Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, em 26 de abril. O encontro havia sido pedido pelos dois jornais há cerca de sete meses, mas, mesmo com a anuência do ex-presidente, só pôde ocorrer após decisão do Supremo Tribunal Federal. Antes de as perguntas começarem, Lula fez um pronunciamento, que pode ser lido no box ao lado. Estavam na sala, além dos jornalistas, os cinegrafistas Henry Milleo (EL PAÍS), Victor Parolin (Folha), os fotógrafos Isabela Lanave (EL PAÍS), Marlene Bergamo (Folha), Ricardo Stuckert (Lula), Carla Jiménez (diretora do EL PAÍS no Brasil), advogados Cristiano Zanin (PT) e Manuel Caetano (PT), Cezar Brito e Miriam Gonçalves (EL PAÍS), Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação de Lula, delegados Rubens e Mauricio Grillo, da Polícia Federal de Curitiba, Paulo Roberto da Silva, chefe da Comunicação da PF, além de três agentes de segurança.

Pergunta: A gente queria começar falando da prisão do senhor, que foi um dia histórico. O que passou pela cabeça do senhor quando estava sendo preso e sendo conduzido para a prisão?

Resposta: Durante todo o processo, eu não sei se cheguei a conversar com você, mas sempre tive certeza, desde que começaram os discursos e o processo da Lava Jato, de que tinha um objetivo central, que ia chegar em mim. Aliás, uma amiga nossa, jornalista importante, Tereza Cruvinel, escreveu um artigo importante em que ela falava: “o que eles querem na verdade é o Lula”. Isso foi ficando patente em todos os depoimentos, vocês estão lembrados que a imprensa retratava: prenderam fulano, ah, vai chegar no Lula, prenderam fulano, ah, vai chegar no Lula. Prenderam fulano.. E muita gente que era presa, a primeira pergunta que faziam era: você conhece o Lula? Você é amigo do Lula? Você fez alguma coisa? Todo mundo. E eu sabia disso porque a imprensa retratava, as pessoas contavam, sabia disso porque advogado conversava com advogado. Foi ficando patético que o objetivo era chegar em mim. Tinha companheiros no PT que não gostavam quando eu dizia isso, sabe, eles vão chegar em mim e depois vão caminhar para criminalizar o PT. Pois bem, quando ficou claro que o objetivo central era efetivamente…Tinha muita gente que achava que eu deveria sair do Brasil, ir para uma embaixada, muita gente achava que eu deveria fugir. Eu tomei como decisão que meu lugar é aqui. Eu tenho tanta obsessão de desmascarar o Moro, desmascarar o Dallagnol e a sua turma e desmascarar aqueles que me condenaram, que eu ficarei preso cem anos, mas eu não trocarei a minha dignidade pela minha liberdade. Eu quero provar a farsa montada. Eu quero provar. Montada aqui dentro, no departamento de Justiça dos Estados Unidos, com depoimento de procuradores, com filme gravado, e agora mais agravado com a criação da fundação Criança Esperança do Dallagnol, pegando 2,5 bilhões de reais da Petrobras para criar uma fundação para ele. Fora 6,8 bilhões da Odebrecht e fora não sei quantas outras coisas. Eu tenho uma obsessão, você sabe que eu não tenho ódio, não guardo mágoa, porque, na minha idade, quando a gente fica com ódio a gente morre antes. Como eu quero viver até os 120 anos, porque acho que sou um ser humano que nasceu para ir até os 120, eu vou trabalhar muito para mostrar a minha inocência e a farsa que foi montada. Por isso eu vim para cá com muita tranquilidade. Havia uma briga no sindicato aquele dia entre os que queriam que eu viesse e os que não queriam. E eu tomei a decisão. Eu falei: eu vou, eu vou lá. Eu não vou esperar que eles venham até mim, eu vou até eles, porque eu quero ficar preso perto do Moro. O Moro saiu daqui. Mas eu quero ficar. Porque eu tenho que provar minha inocência.

Pergunta:  Pode ser que o senhor fique aqui para sempre. Mesmo assim, o senhor acha que tomou a decisão correta?

Resposta: Tomaria outra vez.

Pergunta: O senhor já pensou que pode ficar aqui para sempre?

Não tem problema. Eu tenho certeza que eu durmo todo dia com a minha consciência tranquila. Tenho certeza que o Dallagnol não dorme, que o Moro não dorme. E aqueles juízes do TRF4 que nem leram a sentença. Fizeram um acordo lá, era melhor que um só um tivesse lido e ter falado todo mundo aqui vota igual. Então eu quero, sinceramente. Quem tem 73 anos de idade, quem construiu a vida que eu construí neste país, quem estabeleceu as relações que eu estabeleci, quem fez o Governo que eu fiz nesse país, quem recuperou o orgulho e a auto estima do povo brasileiro como eu e vocês fizemos no meu período de Governo, não vou me entregar. Então eles sabem que tem aqui um pernambucano teimoso. Eu digo sempre, quem nasceu em Pernambuco e não morreu de fome até os cinco anos de idade, não se curva mais a nada. Você pensa que eu não gostaria de estar em casa? Eu adoraria estar em casa com a minha mulher, com o meus filhos, meus netos, com meus companheiros. Mas não faço nenhuma questão. Porque eu quero sair daqui com a cabeça erguida como eu entrei. Inocente. E eu só posso fazer isso se eu tiver coragem e lutar por isso.

Pergunta: Queria saber como é a rotina do senhor. O senhor passa muitos momentos sozinho?

Resposta: Passo o tempo inteiro sozinho.

Pergunta: Já tive a oportunidade de entrevistar algumas pessoas presas, mas que tinham outras pessoas. E como é essa coisa do tempo não passar?

Resposta: Eu leio. Eu vejo pen drive que o pessoal me manda. Assisto a muitos filmes, muitas séries, muitos discursos, muitas aulas. Por exemplo, fiz na minha cela – que trato como sala porque é melhor, não como cela – um curso sobre Canudos. O canal Paz e Bem tem um curso recontando as histórias, mostrando as mentiras que Euclides da Cunha contou sobre Canudos. A história não é aquela. Fiz um curso de oito aulas. Sugeri ao Mauro Lopes, do canal Paz e Bem, um curso retratos do Brasil sobre todas as lutas sociais do Brasil. E agora acho que toda segunda-feira tem uma aula. Eu espero juntar umas quatro ou cinco, recebo um pen drive, vou assistindo e vou me aprimorando. Quando eu sair daqui, sairei doutor.

Pergunta: Tem um grupo de militantes aí na porta que dizem bom dia, boa tarde e boa noite para o senhor todos os dias. O senhor escuta esse grito? Como é para o senhor?

Resposta: Escuto todo santo dia. Quando tem atividade, que eles colocam um carro de som um pouquinho melhor, eu escuto o discurso das 9h às 21h. Eu sinceramente não sei como um dia eu vou poder agradecer essa gente. Tem gente que está aqui exatamente desde o dia que eu cheguei. Vai para a casa, lava a roupa e volta. Então eu serei eternamente grato.

Pergunta: Vamos falar um pouco de política nacional. Seu partido perdeu a eleição ano passado e a extrema direita chega ao poder com o voto de muitos eleitores que eram do PT. Como o senhor avalia essa guinada à direita de um eleitorado que era tão grato à sua administração?

Resposta: Vamos relativizar tudo isso, porque uma das coisas que eu esqueci de falar, uma das condições que fez com que eu também viesse pra cá, era porque não havia nenhum advogado naquele instante que não garantisse que eu disputaria as eleições sub judice, tá. Havia uma certeza de muitos juristas de que não haveria como impedir minha candidatura, mesmo condenado eu poderia concorrer sub judice. E eu tinha certeza e tava com um orgulho muito grande de ganhar as eleições de dentro da cadeia. É importante lembrar que eu cresci 16 pontos aqui dentro, sem poder falar. Aí, quando o ministro Barroso fez aquela loucura, que eu tive que assinar uma carta dizendo para o Haddad ser o candidato, ai eu senti que nós estaríamos correndo risco, porque a transferência de votos não é algo simples, não é automática, leva tempo e eu também tinha certeza que o Haddad poderia representar muito bem a candidatura como ele representou. Tivemos uma eleição atípica no Brasil. Vamos ser francos. O papel do fake news na campanha, a quantidade de mentira, a robotização da campanha na Internet foi uma coisa maluca. E depois a falta de sensibilidade dos setores de esquerda de não se unir. A coisa foi tão maluca que a Marina Silva, que quase foi presidenta em 2014, teve 1% dos votos. A coisa é tão maluca que muita gente, e eu respeito o voto do povo, o povo não é bom só quem vota em mim, mas a verdade é que o povo votou, eu nunca tinha visto o povo, eu não pude nem votar, então conta um voto a menos para o Haddad, porque eu não pude votar. Eu nunca tinha visto o povo com tanto ódio nas ruas.

Nunca vi tanto jornal na vida. É tudo a mesma coisa. Parece as sentenças que dão contra mim. E é tudo a reforma da Previdência. Fez a reforma da previdência acabou o problema do Brasil, todo mundo vai ficar maravilhosamente bem. E eu acho que todo mundo vai se lascar se aprovada a Previdência tal como ele quer. Se a Previdência precisa de reforma, você senta com os trabalhadores e os atores empresários, aposentados, políticos, e encontra uma solução para arrumar onde tem que arrumar.

Pergunta: Há um diagnóstico de analistas de que a população tem motivos para votar contra a política, dá pra culpar esse ou aquele? Houve corrupção, muitas coisas foram comprovadas, que autocritica o senhor faz depois de todo esse tempo? Erros do PT, como o PT sem o senhor vai para frente?

Resposta: Obviamente que nós reconhecemos que perdemos as eleições. Agora, é importante lembrar a força do PT. Porque, só eu pessoalmente, tenho mais de 80 capas de revista contra mim. Quando fui preso, tinha 80 horas de Jornal Nacional contra mim. Mais 80 horas de Record, mais 80 horas de SBT, mais 80 da Bandeirantes. E eles não conseguiram me destruir. Isso significa que o PT tem uma força muito grande. O PT não foi destruído, o PT perdeu uma eleição. O PT provou que é o único partido que existe nesse país enquanto partido político. Quando você falar em partido político no país, você lembra do PT.

Pergunta: Eu queria entrar no mérito do caso do sítio, a reforma foi feita e o senhor usufruiu dessa reforma, não houve um erro?

Resposta: Deixa eu falar: eu poderia ter aceito e nunca ter ido àquele sítio. Então eu cometi o erro de ir no sítio. Eu disse, e está provado, que eu fiquei sabendo daquele maldito sítio dia 15 de janeiro de 2011. E o sitio tinha dono, dono, pré-dono, e bidono. O Jacó Bittar era meu amigo de 40 anos, ele comprou o sítio no nome do filho dele com cheque dado pela Caixa Econômica Federal, e a polícia sabe disso. A Polícia investigou. Nós tivemos policiais e procuradores visitando casa de trabalhador rural, casa de pedreiro, casa de caseiro, perguntaram até para as galinhas ‘você conhece o Lula?’. ‘Você sabe se o Lula é dono?’. E nem as galinhas falaram. Porque eu não era dono. Se eu quisesse, eu podia comprar. Se eu cometi o erro de ir a um sítio que alguém pediu e a OAS reformou, alguém pediu e a Odebrecht reformou, então vamos discutir a questão ética, e não de corrupção. É outra questão. Acontece que o impeachment, a cassação da Dilma e o golpe não fecharia com o Lula em liberdade. Então, qual é o meu incomodo? Se eu estivesse aqui preso e o salário mínimo tivesse dobrado [as pessoas poderiam falar] poxa, o Lula é um desgraçado, ele foi preso e o salário dobrou. Mas não: acabaram agora com o aumento real do salário mínimo.

Pergunta: A Odebrecht admitiu ter pago propina no Peru em troca de obtenção de contrato. A Transparência Internacional destaca que houve um ‘fordismo da corrupção’, com milhões de dólares distribuídos em vários países, e que o esquema da Odebrecht foi feito com o apoio do BNDES. Todo o esquema global contava com financiamento de campanha em países alinhados com o PT…

Resposta:  Quem está falando isso?

Pergunta: A Transparência Internacional…

Resposta: Com base no que?

Pergunta:  Eles levantaram esses dados…

Resposta: Devem ter lido no jornal O Globo. Só pode ser. Deixa eu lhe contar uma coisa. O presidente da República ele não tem como interferir na burocracia do BNDES para empréstimo. O BNDES foi criado para financiar o desenvolvimento brasileiro. Lembro do tempo do FHC, quando fiz a campanha em 2006, o Alckmin tentou dizer que ‘o Lula financia o metrô de Caracas, enquanto não financia o meu aqui’. E eu lembrei pra ele que quem tinha feito o acordo para financiar o metrô de Caracas foi o FHC, e fez bem. Quando o Brasil financia o desenvolvimento de um país através do BNDES, o Brasil está exportando serviços, está exportando engenharia, máquinas, está vendendo coisas para lá.

Pergunta: O senhor se sente injustiçado por esses empresários? Eles cresceram muito, se tornaram multinacionais e depois fazem delações premiadas contra o PT e o senhor…

Resposta: Não fico com raiva pelo seguinte: tenho desafiado os empresários a dizer quem me deu cinco centavos. O Leo [Pinheiro], que estava preso aqui e fez a denúncia contra mim, passou três anos dizendo uma coisa e depois mudou o discurso. Meu advogado perguntou o porquê disso e ele disse ‘meu advogado me orientou’. E o que ele falou: ‘Lula sabia’. E agora o que está provado? Que a OAS gastou seis milhões de reais para uniformizar o discurso de seus funcionários com as delações. Então, como é que eu posso levar a sério isso? Não posso. O que eu posso dizer é que haverá tempo suficiente para que a gente faça uma investigação. Qual a intromissão do Departamento de Justiça dos Estados Unidos nesta investigação? Qual o interesse dos americanos na Petrobras? Os americanos, foi só a gente anunciar o pré-sal que eles recuperaram a quarta frota que funcionou na Segunda Guerra Mundial.

Pergunta: Presidente, só para retomar: e os militares? Eu perguntei sobre Moro, Bolsonaro…

Resposta: Sabe uma coisa que eu tenho vontade? Quando eu sair daqui, eu quero conversar com os militares. Eu tenho vontade de perguntar para o chefe da Marinha, para o chefe da Aeronáutica e para o chefe do Exército qual o presidente da República que fez mais coisa para eles do que eu fiz. Eu quero perguntar para eles qual é a razão do ódio que eles têm do PT. Quando eu cheguei na Presidência, em 2003, Mônica, soldado brasileiro saía 11 horas, porque não tinha dinheiro para almoçar, recruta não ganhava salário mínimo

Pergunta: residente, além de tomar uma cachaça com seus apoiadores, qual a primeira coisa que o senhor vai fazer?

Resposta: Eu adoraria poder um dia fazer um debate em uma universidade com Moro e Dallagnol juntos. Adoraria um debate. Eles levando as milhares de páginas que contaram mentiras e eu levando a minha verdade. Eu adoraria. Com a cara boa, tranquila, bonitão como eu tô hoje. Para discutir. Mas na verdade eu quero comer um churrasco, uma bela de uma picanha, uma panceta bem passadinha e tomar um, como diria o José Alencar, um golo. Mas eu vou fazer. Tenham paciência. Quero agradecer a vocês e sobretudo agradecer a Justiça que fez justiça nesse caso. Poderia ter feito isso antes das eleições de 2018. Lamentavelmente não foi feito, então, quero agradecer a vocês dois pela briga, pela tenacidade e espero que tenhamos outras entrevistas. Se deixarem. Muito obrigado.

Fonte:  Jornal El País 

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