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Chapada: Em Lençóis PMs trabalham com coletes à prova de balas vencidos há três anos

Foto: Kelly Hosanna

Todos os policiais já têm o risco como função, mas a tropa da Companhia Independente de Proteção Ambiental (Cippa) de Lençóis, na Chapada Diamantina, está ainda mais vulnerável. Lá,  os PMs trabalham com coletes à prova de balas vencidos há três anos. “Saímos para tomar tiro de bandido porque o Estado só faz nos desrespeitar”, declarou um dos soldados da unidade. No ano passado, o orçamento total do governo da Bahia foi de R$ 56,58 bilhões, maior do que o dos dois anos anteriores – 2020 (R$ 49,03 bi) e 2019 (R$ 48,89 bi) –, mas que parece incapaz de solucionar esse e outros problemas antigos e também emergenciais da segurança pública.

O quadro enfrentado pelos PMs de Lençóis mostra que a verba destinada à redução, combate e controle da violência não vem sendo usada com eficiência pelo governo. Segundo o Portal Transparência Bahia, dos R$ 56,58 bilhões de 2021, o governador Rui Costa (PT) destinou R$ 4,66 bi à segurança pública. “Somos policiais, doamos nossas vidas para a sociedade, mas nos sentimos abandonados. Além dos coletes vencidos, as viaturas quebradas e a estrutura das unidades são uma vergonha. Temos dois homens por viatura, com armamento inferior, para ficar à mercê de tomar tiro na cara todos os dias. Muitos descem bocas de fumo por amor à farda, mas é tanta desvalorização que aos poucos o amor vai acabando”, declarou um policial da Cippa, que só aceitou falar sob a condição de  anonimato.

De acordo com a PM, no ano passado,  23 policiais foram mortos. Este ano, cinco. O soldado e outros militares da Cippa de Lençóis receberam os coletes, com o número de série 2294551, em janeiro de 2017, conforme denúncia feita ao CORREIO. Dois anos depois, esses equipamentos deveriam ser substituídos, o que não aconteceu até hoje.

“É a questão da aplicação da pouca verba que tem. A situação dos policiais em Lençóis é gravíssima, fato. Mas não vamos tão longe. Basta você ir em qualquer delegacia de Salvador que se percebe a ausência de uma estrutura física adequada para o trabalho da Polícia Civil. Sabemos que parte desses valores aplicados na segurança pública em 2021 foram destinados à ampliação dos complexos policiais e para a implantação de videomonitoramento, deixando de lado todo o resto. Por exemplo, a degradação do sistema penitenciário e a ausência de políticas públicas [de proteção social] para crianças e jovens. Tudo faz evoluir a insegurança e tira a credibilidade da segurança pública”, destacou a professora de Direito Penal e Processual da Universidade Estado da Bahia (Uneb), Márcia Margarida Martins, mestre em Segurança Pública pela Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Falta de coordenação 
Ao mesmo tempo, violência não se combate só com investimento na Secretaria de Segurança Pública, avalia o deputado estadual Tiago Correia (PSDB), titular da Comissão de Defesa do Consumidor e Relações de Trabalho da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba). “Tem que ser uma ação coordenada com outras secretarias, como a de Educação e aquelas que estimulam a atividade produtiva, a geração de emprego. A administração do PT, desde o início de sua gestão, não entendeu isso, e os índices vão piorando ano a ano, com o governo perdendo a guerra para a violência, enquanto saltam também índices de outras áreas que afetam diretamente a criminalidade, como o desemprego e a má qualidade do ensino público no estado”, declarou o parlamentar.

 

Para a professora Márcia Martins, o grande problema da má aplicação dos recursos, e também da falta dele, está no impedimento de participação da sociedade pelo atual governo. “Eles trabalham de forma unilateral, sem ouvir a sociedade, inclusive, os próprios atores da segurança pública, que não têm voz. Assim, o gestor faz o que bem entende com o dinheiro, deixando de lado o que realmente deveria ser feito. Segundo o portal de transparência do governo, foram aplicados no ano passado R$ 96 milhões na reestruturação das polícias Civil e Militar. E onde está essa reestruturação? Não consigo enxergar nada. Basta visitar duas ou três delegacias de Salvador para ver que essa conta não fecha”, criticou.

Déficit
De acordo com o Boletim Geral Reservado (BGR) da Polícia Militar do dia 30 de agosto de 2021, a tropa é 60,6% menor que a necessária. São 28.649 policiais. Ou seja, um PM para cada 523 habitantes.  Para atingir o quantitativo apontado pela lei estadual 14.186, de janeiro de 2020, que estabelece o efetivo de 47.240 PMs, o governo teria de contratar mais da metade da tropa atual: 18.591 novos quadros para, de fato, garantir a sensação de segurança aos baianos, conforme estabelecem os estudos que deram origem à lei.

A situação na Polícia Civil não está diferente de sua coirmã militar. O efetivo atual é de 5.500, entre delegados, agentes, investigadores e escrivães, segundo os Sindicatos dos Delegados da Polícia Civil do Estado da Bahia (Adpeb) e dos Policiais Civis do Estado da Bahia (Sindpoc). Para dar conta de investigação e resolução dos crimes, seria necessário um efetivo de 11.052 policiais civis.

Foto: O correio

É possível que a redução dos recursos esteja relacionada à defasagem das forças de segurança na Bahia? “Claramente, a segurança pública não é uma prioridade para o governo do estado. Um orçamento decrescente destinado a essa área explica o aumento exponencial dos casos de violência em nosso estado. Se o governo não prioriza e não investe na segurança, a criminalidade toma conta das ruas. E quem está pagando o preço? A população”, declarou o deputado estadual Paulo Câmara (PSDB), vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba). A CCJ é considerada a comissão mais importante das casas do Poder Legislativo, porque por ela passam os principais temas da agenda pública.

A precariedade das forças de segurança é refletida também em dados alarmantes. “No relatório anual da própria Secretaria de Segurança Pública, em 2021, foram 5,3 mil assassinatos na Bahia. Se nós computarmos desde o início da gestão do PT no estado, a partir de 2006, você tem aí algo próximo à 75 mil pessoas mortas. São números muito superiores à média nacional. Em nenhum país no mundo se vê tantas mortes relacionadas à violência como no nosso estado. A situação é muito grave, e isso só comprova que o governo do PT não valoriza a segurança pública”, declarou o deputado Capitão Alden (PL), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Alba.

Tropa ficou 16 meses sob risco de morrer
Enquanto na Cippa de Lençóis os coletes vencidos há três anos tornam a vida dos policiais bastante vulnerável, o perigo era de  outra ordem para a tropa da 16ª CIMP (Comércio), unidade situada na Avenida Frederico Pontes. Lá, os PMs corriam risco de morrer dentro da própria sede da companhia independente, que poderia ser engolida a qualquer hora por um desabamento. Mesmo com laudo da Defesa Civil de Salvador (Codesal) condenando o imóvel, a 16ª CIPM permaneceu no local por um ano e quatro meses. Só saiu em 3 de junho deste ano, após recomendação do Ministério Público do Estado da Bahia (MP).

“Não era para ser instalada ali. Quando foi, encaminhamos um ofício ao Comando-Geral da PM e ao governo do estado informando sobre o risco de desabamento. Todos os prédios que estão ali já tinham sido desocupados, mas a PM foi para lá. O estado gastou dinheiro e reformou. E agora, o que ocorreu? A 16ª CIPM saiu de lá. À época da vistoria, a Codesal informou que a tropa não podia ficar ali nem 30 dias, por causa do risco do desabamento. Vidas poderiam ter sido perdidas ali. Nós entramos com uma representação no Ministério Público, que acabou forçando a saída deles”, destacou o deputado estadual Soldado Prisco (União Brasil), membro da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Alba.

Mas aí veio outro absurdo, de acordo com Prisco. “A tropa saiu da Frederico Pontes, onde não era nem para estar, e foi para a sede da 14ª CIPM, no Lobato. A 16ª CIPM virou sem-teto, indo para outra unidade, para ficar alojada em conjunto, peça por cima de peça, armário por cima de armário, sem condição nenhuma, inclusive, estando fora da área de atuação”, declarou o integrante parlamentar.

As unidades prisionais sob esfera estadual seguem no mesmo rumo das Polícias Civil e Militar. Na Bahia, a população carcerária é de 12.526 presos em celas construídas para abrigar 11.551 pessoas – um excedente de 1.192 internos, segundo dados disponibilizados no site da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), atualizados até o último dia 14, sem contar os que estão nas delegacias. Mas a questão da lotação estaria minimizada se os presídios das cidades de Brumado e Irecê estivessem em funcionamento.

Os prédios foram construídos em 2016 para abrigar 1.090 internos e custaram aos cofres públicos R$ 21 milhões, cada. “Os complexos penitenciários de Salvador e no interior estão completamente abandonados. Não há nenhum programa de ressocialização, recuperação. O governo do estado não investe em segurança pública em todos os sentidos”, emendou Prisco.

Escalada de violência avança na zona rural
O reflexo da insegurança já é sentido também na zona rural. No último dia 11, bandidos destruíram porteiras, curral, alojamento de funcionários e tocaram fogo em um trator. A ação de criminosos contra uma fazenda em Formosa do Rio Preto, no Oeste baiano, entrou para o rol de estatísticas da violência, que há tempos passou também a afetar áreas antes mais tranquilas.

“Infelizmente, o homem do campo passou a conviver com o medo e a insegurança, que já são rotina nos centros urbanos do estado. O governo do PT fracassou tanto na segurança, que a zona rural da Bahia deixou de ser pacata”, apontou o vice-presidente da Comissão de Agricultura e Política Rural da Alba, deputado estadual Sandro Régis (União Brasil).

A violência é hoje o motivo de maior preocupação dos baianos, segundo mostrou resultado da pesquisa Genial/Quaest divulgada em maio. De acordo com o levantamento, o medo da violência entre a população cresceu 15 pontos percentuais em relação à sondagem de março, quando o tema afligia apenas 10% dos entrevistados. Dois meses depois, saltou para 25%.

 Sem resposta
O CORREIO procurou, através de e-mails e contatos telefônicos as secretarias de Segurança Pública (SSP) e a de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), para comentar as críticas feitas pelos entrevistados, mas ambas não se posicionaram. A reportagem buscou um posicionamento da Secretaria de Comunicação Social (Secom), também por meio de e-mails e contato telefônico, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.

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