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Relembre a história de Horácio de Matos, O “governador da Chapada” que ameaçou invadir Salvador

Três tiros nas costas. O sol dava pinta de começar seu desarme naquela sexta-feira de maio, quando o corpo do maior dos coronéis desaba sem vida no Largo Dois de Julho, em Salvador.

Com 49 anos recém-completos, Horácio de Matos caía na emboscada definitiva, em 1931, ao sair para passear com sua filha, de apenas 6 anos. Desde a Revolução de 1930, com a tomada do poder por Getúlio Vargas, os dias se tornaram amargos para um homem de tanto poder e prestígio.

Em dezembro daquele mesmo ano, já havia sido levado preso para a capital baiana, ao lado de outros líderes regionais de suas respectivas cidades. Foi solto, sob condicional, até ser abatido covardemente pelo guarda civil Vicente Dias dos Santos, em crime de encomenda.

Ali se encerrava a vida do ‘governador da Chapada’. O comandante de um poderoso exército de jagunços, tenente-coronel da Guarda Nacional, senador estadual, aliado de Ruy Barbosa e influente na política brasileira no início da República.

Horácio de Queirós Matos era sobrinho de Clementino Matos, coronel das lavras de diamante, sendo escolhido por este, ao fim da vida, para sucedê-lo.

Até enormes jazidas serem encontradas na África do Sul, em 1867, em população e importância, a cidade de Lençóis era a terceira maior da Bahia. A descoberta além-mar impactou diretamente a cotação do cristal brasileiro, arremessando em contínua decadência — com ligeiros respiros de prosperidade — o garimpo da Chapada Diamantina.

A concorrência sul-africana foi a bala de prata nos ‘anos dourados’ do extrativismo mineral, no entanto, a era dos coronéis estabeleceu um novo modelo de protagonismo político para a região.

Em 1920, por exemplo, em conluio com Ruy Barbosa, Horácio de Matos liderou seus homens para marchar até Salvador, no intuito de depor o governador Antônio Muniz (1881-1940). O objetivo era criar uma instabilidade política que impedisse o retorno de J.J. Seabra, vencedor das eleições ao governo da Bahia.

 No plano, daquele que ficaria conhecido como o grande jurista brasileiro, a ideia era provocar uma intervenção federal, baseada no item 3 da Constituição de 1891, para anular a eleição, do mesmo modo que havia acontecido na Paraíba, meses antes.

O presidente do Brasil, Epitáfio Pessoa, temendo a tomada do poder pelos coronéis envia uma tropa de 10 mil soldados para conter a “Revolta Sertaneja” — nome dado ao levante. Antes que qualquer tiro fosse disparado, entretanto, o governo da Bahia, as forças federais e Horácio de Matos subscrevem um acordo, em maio de 1920.

O documento, batizado de “Convênio de Lençóis” pelo local onde se dá a assinatura, anistia todos os revoltosos pela conspiração. Mais que isso. Em nome da posse do governador eleito e do armistício aos jagunços, entrega a Horácio de Matos, sob o título de Delegado Regional, o comando de 11 cidades da Chapada (Lençóis, Palmeira, Seabra, Barra do Mendes, Brotas de Macaúbas, Paramirim, Bom Sucesso, Guarani, Wagner, Macaúbas e Piatã).

O coronel fica ainda com o poder de indicar um deputado e um senador estadual, ao qual, escolhe a si próprio para a última vaga.

“É uma figura histórica controversa e cheia de particularidades. A partir do “Convênio de Lençóis” se dá o ápice do poder de Horácio de Matos, que vai durar uma década inteira. Antes, porém, ele venceu uma guerra na própria Chapada, quando derrotou o coronel Militão Rodrigues Coelho, de Barra do Mendes, ex-adversário do seu tio Clementino. E também quando liderou o cerco à localidade de Campestre, pela morte de seu irmão por um jagunço do coronel Manuel Farbrício”, explica Renato Bandeira, escritor de uma série de livros sobre Horácio de Matos e o movimento dos coronéis.

Coluna Prestes
Em fevereiro de 1926, a poderosa Coluna Prestes — comandada pelos jovens oficiais Luís Carlos Prestes, Osvaldo Cordeiro de Farias, João Alberto Lins de Barros, Antônio Siqueira Campos e Djalma Soares Dutra — avança sobre a Bahia.

O grupo adotava a tática da “guerra de movimento”, percorrendo o país reivindicando direitos como a defesa do ensino público e a implantação do voto secreto. O presidente da época era o mineiro Artur Bernardes (1875-1955), que praticamente durante todo seu mandato governaria em estado de sítio.

Ao saber da chegada dos oficiais em território baiano, o governo federal automaticamente enviou um telegrama a Horácio de Matos, pedindo que colocasse seu exército de jagunços em combate com as tropas de Prestes.

Após o acerto em vultosas quantias federais e passando por cima do agora governador Góis Calmon — defensor da tese de usar apenas as tropas regulares do estado —, Horácio firma parceria com outros dois coronéis (Franklin Lins de Albuquerque e Abílio Wolney) e sai em perseguição aos homens liderados por aquele que ainda viria a ser um grande líder comunista treinador pela URSS.

O movimento de Prestes entraria para a história com o nome de “coluna invicta”, por jamais ter sido derrotada em mais de dois anos e meio de duração. Na Bahia, contudo, os coronéis prevaleceram no confronto direto.

“O território da Chapada é traiçoeiro, com rios, morros e subidas. Os homens de Horácio de Matos tiveram ampla vantagem. Em média, morreram 3,3 homens da Coluna por dia, em mais de dois meses de combate”, conta Bandeira, a partir de análise de documentos históricos.

Fim do movimento
A derrocada do “governador da Chapada” vem quando eclode o movimento de 1930.  Novamente os coronéis baianos são chamados pelo governo federal, a pedido do presidente Washington Luís, para combater as tropas militares que avançam com Vargas.

Horácio envia mais de 500 homens à cidade de Alagoinhas. Quando a tropa chega ao front, o presidente já estava deposto e Getúlio empossado. O novo interventor da Bahia, o cearense Juracy Magalhães, impõe que os coronéis entreguem suas armas como uma prova de lealdade ao novo regime — o que é prontamente aceito. São quase 30 mil equipamentos, entre pistola, rifles e mosquetões enviados à capital no lombo de burros e jumentos.

“A única arma que Horácio não entregou foi sua bengala, que na verdade era uma baioneta disfarçada. Quando precisava, sacava ela numa velocidade tremenda para surpreender os rivais”, conta o historiador.

Em dezembro, o tenente Hamilton Pompa cerca Lençóis com soldados e traz uma ordem expedida para levar Horácio de Matos preso até a chefatura de Polícia, na Praça da Piedade, em Salvador.  Em 13 de maio de 1931, Horácio de Matos é solto. Três dias depois, quando passeava com a filha Horacina, recebe três tiros à queima roupa.

Em 2022 completa-se 140 anos do nascimento de Horácio de Matos. Em Lençóis, Seabra, Mucugê, Brotas de Maúbas e outras tantas cidades da Chapada, seu nome é emprestado para batizar escolas, praças e até um aeroporto.

Se a bengala-disfarce não foi útil para defendê-lo em vida, com os próprios pés, cravou seu nome na história.

CN com informações do Correio.

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